O Contact-Improvisation também é espetacular. Quer dizer, o CI não é uma terapia, não é uma coisa que a gente faz pra nós mesmos, não é só diversão.
O lance é que, bom, parece. A primeira impressão é que CI é muito mais divertido de dançar do que de assistir. Ainda mais porque, com o lance todo de acolher até quem "não sabe dançar" o CI tem uma tendência forte a degenerar em trouxas amorfas de gente rolando no chão. Mas. Sempre tem um mas.
Não é que o CI não possa ser divertido de dançar, aliás, melhor dizendo, é extremamente importante que seja sim um prazer dançar CI. Numa entrevista perguntaram pra Nancy quando a "parte divertida" do CI tinha começado, porque os vídeos das primeiras performances parecem super sérios, e ela respondeu que sempre foi divertido e que a seriedade não era incompatível com a diversão.
O lance é que ignorar o lado espetácular do CI impede uma compreensão mais profunda.
E quando digo espetacular quero sim trazer todo o questionamento da "Sociedade do Espetáculo" e a crítica da comercialização da cultura, TV Globo e Veja e esse lixo todo. Porque a criação do CI teve muito de crítica a isso tudo (embora provavelmente eu esteja usando uma terminologia diferente). Era uma questão para o CI, no seu começo, quebrar essa espetacularidade.
Então, por exemplo, Magnesium não tinha palco e platéia, não tinha começo e gran-finale muito bem definidos, não tinha música. A própria busca por movimentos "espontâneos" e viscerais é também uma revolta contra a movimentação espetacular do balé, com suas pontas e pomposidade — e nisso tocamos num ponto bem essencial do CI. Lembro da Nita em Sampa2012 falando alguma coisa como "Eu queria me livrar disso" e fazendo uma pose.
E essa preocupação acaba se refletindo no debate sobre a sistematização do CI, de que acaba tendo um sistema mesmo que todo o processo seja uma tentativa de quebrar os sistemas de dança anteriores.
Ou seja, parte da busca do CI era quebrar essa espetacularidade da arte, mas essa quebra não é uma negação. Não se trata de ir contra a espetacularização, até porque essa simples oposição não funciona. O que funciona é criar um espaço alternativo ao espetáculo, construir ferramentas que tornem esse além-espetáculo possível.
Portanto, CI não é anti-espetacular e sim para-espetacular.
E sendo assim, me parece que fazer um espetáculo de CI é também uma forma de aprofundar o trabalho. Primeiro porque o movimento que é interessante só por dentro, só para quem está dançando, é mais limitado do que o que é interessante pra dento e pra fora. Imaginar nosso movimento por fora (coisa que aliás, se alguém de fato estiver olhando, acontecerá tão automaticamente quanto estender os braços ao cair) é forma de aumentar nossos horizontes. Tanto que, em geral, quanto melhor o contateiro, mais interessante é assistí-lo.
Me lembro que quando a Nita estava procurando alguém para participar de sua performance em Sampa2012 ela falou de alguém que tinha as "contact skills" mas não as "presentation skills". E eu acho que é importante evitar essa separação, esses dois conjuntos diferentes de habilidades, justamente porque quando juntamos as duas coisas quebramos alguns limites.
Da única vez que apresentei CI para pessoas que eu não conhecia, me lembro que a sensação de "estar no momento" era bastante intensa, resgatando a intensidade das minhas primeiras experiências com CI. E não parecia uma tensão diferente, do palco e do CI. Pareciam intensidades diferentes de um mesmo tipo de atenção.
Outra coisa, foi diferente essa apresentação de JAMs abertas. Não se trata apenas de que alguém esteja vendo. Assumir a responsabilidade pelo movimento fazia toda a diferença.
De alguma forma, o CI não é espetacular, não se trata de fazer algo fácil de ver e nem de nos tornarmos o próximo fenômeno de público. O que quero dizer é só que não dá pra esquecer a questão. Não basta simplesmente estar de um lado ou outro da cerca: ou assumir que CI não é show e ficar num tipo de dança-terapia, ou assumir que CI é show e fazer tudo para agradar a platéia. Não. O interessante é questionar essa fronteira. E nesse sentido essa é uma busca de toda a arte contemporânea, de questionar a fronteira entre palco e platéia, entre emissor e receptor, entre pessoa e cultura. Explorar essa fronteira é uma forma de aprofundamento da dança, é aumentar nossa potência de movimento, e é também assumir um papel cultural importante.
E assumir isso não só aumenta a importância da nossa dança para os outros: É também uma forma de trazer essa atenção da dança para mais perto da vida.
Texto de Marcio Baraco (Marcio Rocha Pereira)
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