Recebi questionário da Juliana Greca referente ao impacto do avanço tecnológico no corpo e na arte da dança. O trabalho fazia parte da disciplina “Dança, Tecnologia e Comunicação” ministrada pela Profª Cristiane Wosniak na graduação em Dança da FAP. Compartilho com todos a minha reflexão sobre esses assuntos. Yiuki Doi
1) Tomando como base algumas informações apresentadas por António Damásio, é possível dizer que o ser humano conhece aquilo que é capaz de reconhecer, e para tanto, já nascemos com certo know-how oriundo dos genes. Todavia uma quantidade, bastante considerável, de situações nos escapam cotidianamente por conta de suas dinâmicas que se alteram frequentemente, causando um estado de reconstrução dos modos de se perceber ‘coisas’ em todo momento. Diante desse dado e considerando os avanços tecnológicos dos últimos anos, como você percebe o impacto da vida contemporânea sobre o corpo?
Acho que as principais mudanças decorrem do uso da internet, jogos, animação, computador, telefonia móvel e das ferramentas de comunicação como e-mail, facebook, whatsapp, youtube, sites, twiter, etc. Mudanças que têm oferecido uma virtualidade real na vida das pessoas. É real no sentido de influenciar toda a materialidade ao nosso redor. Porém, o mundo da tecnologia virtual as coisas operam de forma diferente. Sinto que muitos trazem a realidade virtual no mundo material e sentem dificuldade de confrontar com a concretude. Vejo alguns sintomas nesse aspecto, cito os quatro que é mais perceptivo:
1. Imediatismo da ação - A matéria é densa, o corpo possui massa, não podemos deslocar com a facilidade que acontece dentro de um monitor. Num imediato clique no site conseguimos obter respostas no mundo virtual, mas isso é uma solução no mundo virtual. Realizar algo na concretude requer maior tempo e dedicação.
2. Falta de persistência – Querer algo no imediatismo faz com que as pessoas não tenham persistência.
3. Multifocal – Vejo que a forma de operar as várias janelas e ferramentas no computador e nos jogos de videogames altera o modo agir com multifocos nas pessoas. Os jovens que dominam essas ferramentas fazem muitas coisas ao mesmo tempo, mas pouco profundo em cada foco. Isso não é defeito, pode ser uma qualidade em algumas circunstâncias, mas é preocupante quando se torna um padrão fixo.
4. Distanciamento com a natureza – Vejo que as pessoas perdem o contato com a natureza, elas se esquecem do tempo dela. Dentro da inteligência múltipla do Howard Gardner existe a categoria naturalística, a capacidade de compreender a organização e ciclos da natureza. O tempo virtual nos faz perder a noção de que somos sujeitos por um tempo maior do universo (a lua, estação do ano, vento sul, maré cheia, etc.). Isso cria disfunção no pensamento crítico e cria fissura no entendimento da nossa própria existência no mundo, pois somente conseguimos questionar a nossa existência se posicionamos espacialmente e temporalmente no mundo.
2) Quais seriam os rumos de uma dança que considera esses impactos?
Temos a arte digital que se abre para dialogar com a dança na atualidade. Mas, ela é uma opção a mais na criação artística como figurino, iluminação, cenário, etc. Ela é somente uma ampliação de possibilidade artística. A medida que barateia o uso dos aparelhos tecnológicos, haverá apresentações com realidade “espetacular” dos mundos digitais junto à dança. De certa maneira, todas as danças naturalmente agregarão a arte digital com o tempo. Uns mais, outros menos. A diferença é a acessibilidade dessas novas tecnologias, somente isso.
3) Quais seriam suas considerações e/ou comentários acerca do “corpo virtual”? Como você configura a materialidade desse corpo, como ele poderia ser uma ocorrência e/ou experiência física?
Não nego o corpo virtual e a realidade virtual como algo inerente a mim. Muito pelo contrário entendo que a realidade virtual é extensão do meu “espírito” e/ou meu “corpo”. Tenho dificuldade de definir e separar o que é “consciência”, “espírito”, “corpo” e “eu”. Também não consigo saber quando o sujeito termina e o mundo começa. Dessa maneira eu pergunto: É na minha superfície de pele que o “meu eu” acaba? Sinto às vezes que eu sou mundo e o mundo sou eu. Se a forma que eu vejo o mundo depende do meu óculo, já que sou míope, perder o óculo me altera fisicamente, emocionalmente e consequentemente muda a minha existência, o meu jeito de ser. Hoje, diariamente acesso computador e me relaciono na internet, são ferramentas de extensões do meu ser. Curioso pensar que a palavra "ser" define o homem, já que somos chamados de “seres” humanos. Eu acredito que sou o que organizo minhas percepções e pensamentos, os quais me fazem criar a consciência da existência minha no mundo. Tudo que auxilia a pensar e ampliar essa consciência, a qual impulsiona a mudar o mundo que vivo, se torna uma ocorrência e experiência física da minha pessoa. As experiências virtuais alteram a nossa realidade física, desde exemplo simples de vídeo-conversa com namorado que mora longe, ou quando a postagem do Facebook recebe várias curtidas. Fernando Pessoa disse “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. O que acontece na contemporaneidade é que parte da nossa alma é virtual; só é necessário compreender que ela é uma “parte” da nossa “alma”. Se aprendermos a lidar bem com a virtualidade, podemos aumentar a nossa capacidade de ser junto ao mundo.