O que é a Pequena Dança?

Por Marcio Baraco

Fique de pé, numa posição neutra, joelhos só um pouquinho dobrados. Relaxe suas pernas o máximo possível, antes de começar a cair. Preste atenção na oscilação do seu corpo.

A pequena dança é o fluir dos pequenos movimentos que o seu corpo faz para se manter em pé.

O estado da Pequena Dança é muito mais complicado que simplesmente ficar nessa postura. A ideia é ativar a habilidade que o corpo tem de encontrar o seu lugar no espaço sem precisar da muleta do pensamento consciente. O corpo sabe, mais ou menos como quando você está caindo você não precisa pensar onde está o chão ou como amortecer a queda. O estado da Pequena Dança é a ativação desse saber corporal. O truque é não inibir os reflexos automáticos do corpo e ao mesmo tempo não inibir os pensamentos.

Existe um exercício de meditação que faz uma coisa parecida, que é prestar atenção na sua respiração sem controlá-la. É meio estranho, porque no começo parece que prestar atenção e controlar com o pensamento são exatamente a mesma coisa, que os dois funcionam do mesmo jeito. Só de voltar o olho da mente para lá parece que sua caixa torácica se torna mais ordeira. Mas aos pouquinhos você vai diferenciando a atenção da necessidade de controlar e organizar e fixar. Isso quer dizer que a sua atenção se torna melhor e mais poderosa.

A Pequena Dança é absurdamente importante no CI porque praticamente todo o resto das práticas dependem da capacidade de ativar esse saber corporal. Por exemplo, quase todas os movimentos que parecem acrobáticos no CI na verdade não são acrobacias num sentido muito tradicional do termo, porque a ideia não é fazer movimentos que sejam difíceis, mas simplesmente deixar o seu corpo ocupar lugares não ordinários. Então por exemplo quando alguém sustenta outra pessoa no ombro, o esforço muscular é muito pouco, o que acontece é que essa pessoa está deixando o corpo se adaptar àquele peso, e isso quer dizer que a estrutura de sustentação acontece com espontaneidade, sem esforço e sem musculação. E a pessoa que está suspensa também está fazendo a Pequena Dança, deixando o corpo se adaptar àquela situação.

A Pequena Dança é um dos "componentes" mais antigos do Contact Improvisation. Ela já existia até antes desse nome, era parte da performance chamada Magnesium: A ideia era tentar descobrir uma forma de sair da Terra sem se preocupar com a reentrada. E na prática isso queria dizer que os bailarinos meio que saltavam uns contra os outros e deixavam o movimento acontecer a partir dessa situação. Mas depois disso seguia-se um período deles em pé, com essa qualidade de movimento. Era o The Stand ou Small Dance.

Sem pressa, você pode começar a experimentar variações. Faça a Pequena Dança em outras posições. Eu gosto muito de fazer com a ponta de um pé sobre o outro. Você pode tentar a Pequena Dança com pesos. Ou usar alguma estrutura ou equipamento. Num dia de muito vento você pode tentar fazer a Pequena Dança contra o vento, deixando que a interferência leve o seu corpo a uma oscilação mais pronunciada. Eu gosto de usar o movimento do ônibus, se bem que se não estiver bem vazio (ou se o motorista for dos raivosos) isso pode ser um pouco arriscado. Enfim, experimentar variações para puxar a sua atenção até onde ela não estava indo antes.

Tente descobrir também que a Pequena Dança não é um estado inativo, mas justamente o contrário. A Pequena Dança é uma ativação. É uma atenção ativa. É colocar tanto o pensamento consciente do nosso córtex frontal quanto o reflexo animal do nosso cerebelo em ação. É reagir com o corpo inteiro. E é reagir com a alma inteira.

Mas também é uma relação ativa com o espaço que nos cerca, com o mar de gravidade no qual estamos mergulhados. Pequena Dança é uma forma de reagir ao mundo, mas não de negá-lo. Ou seja, você se adapta, não indo contra a situação, mas explorando as possibilidades dessa situação. Pequena Dança talvez seja perceber que cada instante está cheio de possibilidades novas.

O objetivo final é trazer a qualidade da pequena dança para uma dança coletiva. É a partir daí que as relações entre os corpos começam a se expandir. É por causa dessa atenção que podemos explorar movimentos de forma livre, expandir as liberdades dos movimentos. E torna-se também, quase que espontaneamente, um tipo de inteligência corporal. Uma visão muito particular mas também muito rica do corpo. E uma experiência criativa.

Trata-se de um exercício bem simples, mas que precisa de uma prática prolongada. É também um exercício de CI que dá pra praticar sozinho (e você não precisa contar pra ninguém quando exagerar na nerdice e passar horas praticando... :-) Parece que o Steve Paxton colocava seus bailarinos nesse exercício por longos períodos. Tem até uma entrevista que ele brinca que a sua "performance ideal" seria dois bailarinos passando 20 minutos ou mais em Pequena Dança e só depois, a partir daquele ritmo interno que eles estivessem descobrindo, começar a entrar em movimento com o outro.

E talvez o maior desafio, e o que exige mais maturidade, é começar a prestar atenção na Pequena Dança da pessoa que dança com você. Costumamos chamar isso de Escuta, mas é legal lembrar que essa é uma extensão da Pequena Dança, é a capacidade de localizar o fluxo de movimentos do outro e aceitar ele e então conectar-se com ele. É um "entrar em contato" muito mais profundo.

(Para Fran)

Um comentário:

  1. Que incrível esse texto. A descrição de que, na Pequena Dança, "você se adapta, não indo contra a situação, mas explorando as possibilidades dessa situação" me lembra da própria prática do CI e do Tai Chi Chuan, do Aikido, do Kirin na meditação ZEN e outras práticas de harmonização.

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